Monday, August 7, 2017

O passageiro do silêncio



(Para José e Ana, no pra sempre e no jamais)

Tudo se torna um desassossego. A comida fica ruim, o apetite some. Os ponteiros do relógios são os maiores inimigos. Os dias não tem fim.
O local de trabalho se transforma em um campo de concentração e a casa fica do tamanho do Maracanã. As coisas perdem o sentido e reina a desordem.
Não há lugar no mundo para os que se desacertam, para os que se perdem do caminho por miudezas vãs.
A vida ensinará a dura lição do que é a tristeza.
E apontará o canto sombrio em que abraçará a solidão.
Mesmo que esteja rodeado por uma multidão, você se sentirá só. Miseravelmente só.
O sono evaporará e se mudará para outro código postal. E a cama se tornará imensa e fria, com seus lençóis de arame farpado e travesseiros de espinhos.
Os dèjavus se amontoarão.
O rosto dela se materializará na fumaça do cigarro ou no fundo de um copo de conhaque. Uma onipresença quase de Deus.
Assim como Einstein, que não sabia que a partir de sua teoria seria desenvolvida a bomba atômica, Deus não sabia que, quando inventou o silêncio, ele seria usado para magoar.
O silêncio é nuclear.
E o mundo, 'vasto mundo', vai se comprimindo, as paredes se fechando, tirando-lhe também o ar. Ficará difícil respirar.
O sol não voltará a brilhar amanhã, dirão-lhe os seus botões.
E nem depois de manhã.
Nunca mais, nunca mais, nunca mais, concluirá você.
Como se tornasse um cego, de repente, incapaz de ver a luz, você vegetará perenemente em um túnel sem fim.
É como se o carro tivesse acabado a gasolina no meio do nada.
Faltará combustível para seguir adiante, temerá.
A partir daqui, apenas a inércia, o carro parado no acostamento e a contagem modorrenta dos dias que ainda lhe restam. E nada mais.
É como se você fosse exilado em um país estrangeiro e não dominasse a língua.
E todos à sua volta falassem aramaico.
E tudo trouxesse a lembrança dela.
Como o casal que entra no táxi, a moça bebendo um capucino, o homem conversando com seu uísque no Café, nesta noite que cai sobre a cidade enchendo os bares de trabalhadores morrendo de sede e homens e mulheres no cio.
Os carros trafegam lentamente no engarrafamento e só a lembrança dela lhe fará companhia. Estão todos indo para uma grande festa em homenagem a ela.
Menos você.
Ela estará linda, com aquele vestido que você já despiu tantas vezes vindo de outras festas.
Ela, com o colar de pérolas que você presenteou. E os brincos tão sutis.
"Mudou o cabelo", você dirá.
"Remoçou".
Só você e a sua triste figura permanecerão inalterados.
O avião que cruza o céu está indo para Bruxelas, mas você acha que ele está indo para lá, onde se encontra o domicílio em que os telegramas são devolvidos e as cartas se extraviam.
O avião está indo para Dublin ou Milão.
Para a velha Lisboa.
Ou para Madri.
Mas você acha que ele está indo para Istambul, quando na verdade, o destino é outro. Tão outro.
Este avião está cruzando o céu em direção ao inferno. Está em piloto automático e você, cá de baixo, é seu único passageiro.

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