(Para Fabio
Portugal)
Comecei com
um uisquinho sem compromisso.
Fim de
expediente, dia chato no escritório, aquele drink serviria para relaxar e eu
ainda chegaria à casa a tempo de jantar.
Não deu nem
para o começo. A sede era funda e pedi mais um.
E depois
outro. E mais outro.
Aí apareceu
um conhecido, que falou de uma cerveja belga maravilhosa, pela qual ele acabara
de se apaixonar.
Sabe aquela
loura gelada? – ele perguntou.
- Então.
Aquela!
E continuou
como se fosse um vendedor de carros falando do último modelo da Ferrari a um
aficionado:
- É ela.
Molhou a
palavra na tal loura e prosseguiu:
- É ela, só
que mais gostosa, perfumada, acetinada, e desce como se fizesse um carinho na
pele da gente. Só que por dentro.
Decidi que
tinha que conhecer a tal loura que fazia um carinho por dentro da pele.
Virei o
uísque de uma talagada só, chamei o garçom e lá fui trocar uns carinhos com a
loura.
Devia ser
boa.
Afinal,
nove dólares por uma garrafinha de 600 ml, ela tinha que ser.
E era
realmente muito boa.
Aí me
atraquei com ela, e ela comigo. Foi amor ao primeiro gole.
O calor
insuportável clamava por mais dessa maravilha belga.
Reparei que
os donos dos bares e restaurantes desligam o ar-condicionado e mandam os
cozinheiros exagerarem no sal e na pimenta dos petiscos nestes dias mais
quentes.
Pedi a
saideira e um táxi, porque não me sentia apto a dirigir até em casa.
O jantar em
família havia ido para as cucuias e tratei de ir logo para o quarto. O trajeto
até o segundo andar fez com que eu me sentisse ligeiramente zonzo e nauseado.
Despi-me -
isentado do banho - e horizontalizei.
Mal me
deitei, a cama deu de rodar.
- Que diabo
é este? - perguntei a ninguém.
E ela
rodava como se fosse um relógio e eu o seu ponteiro. E numa velocidade de
ventilador.
Não sei
quando parou o homem-ventilador.
Mas demorou
uma eternidade.
Acordei com
a cabeça oca como um abacate, os miolos chacoalhando como se fossem a semente.
Pus-me de
pé, heroicamente, e arrastei o cadáver até o banheiro.
Uma vez lá,
deixei a ducha fria correr sobre a minha miséria.
Maldito
sujeito que inventou tudo isto, pus-me a pensar.
Quem
inventou a ressaca inventou as piores coisas desta vida.
Ele inventou
o imposto de renda, o trânsito de São Paulo, a Festa de Barretos e Zezé di
Camargo e Luciano.
Inventou o
sertanejo universitário, a broxada, a
ejaculação precoce e o zero a zero no futebol.
Ele inventou Galvão Bueno, o uísque paraguaio,
o cecê no transporte coletivo, a calvície e o horário eleitoral na televisão.
Inventou os
jogos do Campeonato brasileiro às 10 da noite, principalmente às
quartas-feiras.
Inventou ainda a fila de banco, a repartição
pública e o mau-humor das pessoas que trabalham nestes departamentos.
E inventou
também o gosto do boné do chapéu do maquinista do trem.
O gosto do
cabo de guarda-chuva.
E da tábua
de chiqueiro de porcos, que fica na boca quando acordamos ressacados, achando
que um pedaço da gente prescreveu.
Quem
inventou a ressaca inventou um verdugo e o soltou dentro de nossas consciências
para que ele nos faça jurar, a cada pileque, que nunca mais beberemos.
Sim, eu
juro.
Eu prometo.
Eu nunca
mais beberei.
.