Paul McIntire é um americano de quatro costados, tataraneto de irlandeses, daquele tipo que sai vestido de druída na parada do Dia de São Patrício e é fanático por esportes.
Como a maior parte dos americanos, satisfaz-se por aqui mesmo.
Para ele, o Havaí é o que há de melhor.
Já esteve lá quatro vezes.
Conhece as ladeiras de San Francisco como a palma de suas mãos e seus olhos já foram tocados pela beleza das cataratas de Niagara e do Grand Canyon.
Boston é um banho de cultura toda vez que passa por lá e, aventura de verdade, só aquela dos cassinos de Las Vegas, onde vangloria-se de ter já tirado quase 30 mil dólares de uma máquina caça-níquel.
Os desertos do Arizona não são um mistério para ele, afinal fez o trajeto da Rota 66 em mais de uma ocasião. "Coisa mais linda!", ele diz.
Mas ele andava cabisbaixo ultimamente.
Ficou assim desde o seu divórcio com Diana, uma ruiva que conheceu no primeiro dia de aula do ginásio, e com quem viria a se casar, tão logo tirou o canudo de técnico em computação e arrumou o primeiro emprego.
O divórcio depois de apenas 3 anos de casamento e nenhum filho foi uma pauleira.
Sem destino ao final das jornadas de trabalho, conseguiu abrigo num Go-Go Bar de Newark.
Foi lá que ele conheceu - entre rodadas de uísque e cerveja -, as inigualáveis meninas do Brasil.
E o mito americano começava a desabar.
No início, relutou um pouco.
Recusava-se a comparar as ondas de Honolulu com as da praia da Joaquina.
Foi nos braços de uma loirinha de Maringá, que passou a acreditar que as Sete Quedas fossem mais exuberantes que as rivais de Niagara.
No movimento dos quadris de uma carioca ele teve a certeza de que o carnaval do Rio de Janeiro era o que os americanos chamam de “The Real Thing”.
E que o Mardi Gras, de New Orleans, era uma imitação barata da folia momesca.
Após uma noite com uma mineirinha de Governador Valadares, Paul passou a contemplar a possibilidade de ir ao Brasil, onde teria as mais belas mulheres do mundo ao alcance de suas mãos.
Passou os meses seguintes estudando o país, e teve até algumas discussões com pessoas de sua família.
Ninguém aceitava esse seu arroubo de paixão e compaixão por um país cuja capital era a Argentina.
“Estão vendo? Vocês são uns tapados!”
E foi assim que Paul Mc Intire classificou de propaganda imperialista aquela matéria de página inteira no New York Times.
Nela, o jornalista insensível e tendencioso chamava São Paulo de Capital Mundial dos Seqüestros-relâmpagos e as favelas do Rio de Janeiro de Nova Medellin.
Feliz e animado, ele partiu de New York para um mês de volúpia, caipirinha, pagode, churrasco a rodízio, praia e sol nos doces trópicos do sul.
A viagem não começou muito bem, é verdade.
Sua bagagem foi extraviada e ele ficou com a mesma roupa durante quase dois dias no calor abafado do Rio de Janeiro.
O que lhe valeu foi aquela camiseta com a estampa da Ararinha Azul, que ele comprou ainda no aeroporto do Galeão.
Apesar do abafamento e de pequenos momentos de mormaço não fez sol durante os primeiros 5 dias.
Neste período, registraram-se as maiores enchentes de toda a história da cidade.
Uma tragédia que ele via na televisão do Oton Hotel sem entender direito o que o William Bonner dizia no Jornal Nacional.
Foram dias de tédio e mal-entendidos com os funcionários do hotel, que insistiam em comunicar-se com ele em português.
“Droga, o inglês deveria ser obrigatório no resto do mundo”, resmungou para a camareira de sorriso humilde, fazendo lembrar o homem que era antes de conhecer as brasileirinhas de Queens.
No dia em que a chuva parou, Paul McIntire resolveu sair à caça de mulheres pelo calçadão de Copacabana.
Agora, sim, finalmente, chegara a sua vez.
Cinco horas depois e já um pouco desapontado por não querer sucumbir aos encantos de uma garota de programa com um suspeitíssimo pomo-de-adão, resolveu voltar ao hotel.
Eram quase 3 da manhã quando sentiu o cano frio do revólver encostado em sua nuca.
Mesmo sem falar o português, entendeu direitinho o que os assaltantes queriam.
E foi assim, trajando apenas uma prosaica cueca branca, que Paul McIntire chegou à delegacia do bairro para reportar o crime ao cabo de plantão, mas este também não conseguia captar os detalhes de seu infortúnio.
Uma vez mais, a maldita barreira da língua.
Passou os dias seguintes no quarto do hotel, convalescendo daquilo que pensava ser uma feijoada mal digerida.
Não dava mais.
Pouco mais de uma semana após a sua chegada, desiludido e sem bronzeado - continuou chovendo no Rio -, Paul McIntire voltou aos States.
Três dias em casa, e ele ainda estava febril, com o corpo dolorido.
Acabaria no leito de um hospital novaiorquino.
O diagnóstico médico causou surpresa entre seus pares, enterrando de vez o fascínio tupiniquim sobre Paul McIntire:
Ele havia sido picado por um mosquito inofensivo, de nome esquisito, um certo Aedes Aegypti.